Integração dos Aspectos ASG no Valuation das Companhias

Introdução às questões ASG 

As questões ambientais, sociais e de governança (ASG) corporativa no desempenho financeiro das empresas e a consequente valorização dos ativos englobam diversos debates no campo acadêmico e corporativo. O principal ponto é considerar que a inclusão dessas questões no processo de decisão estratégica pode gerar valor para uma empresa e seus acionistas. Desse modo, os riscos e oportunidades que permeiam as questões ASG no contexto de negócios das empresas precisam de uma análise que considere a geração de valor, inclusive para o acionista.

Em 1987, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA ou UNEP – do inglês United Nations Environment Programme) definiu o desenvolvimento sustentável como a habilidade de assegurar o atendimento das necessidades das gerações presentes, sem prejudicar a habilidade das gerações futuras de atender às suas necessidades (BRUNDTLAND, 1987). Nesse contexto, apesar de ser um tema novo na análise fundamentalista de investimentos, os impactos dessas questões sobre as principais variáveis dos demonstrativos financeiros das empresas sempre existiram. Sua análise tem sido cada vez mais considerada por analistas, gestores e demais profissionais da indústria de investimentos brasileira e internacional.

Os desafios que englobam as questões ASG são os seguintes:

  • a dificuldade de quantificação e monetização das questões ASG para integração aos modelos de valoração;
  • a falta de padronização nas informações ASG divulgadas pelas empresas; e
  • o seu impacto no desempenho de ativos no longo prazo, que costuma ser deixado de lado por investidores.

 

Prevalece uma importante questão: é possível gerar valor para uma empresa, seus acionistas e stakeholders ao considerar as questões ambientais, sociais e de governança corporativa no processo de decisão estratégica? O dilema de gerar valor para os acionistas vs. gerar valor para os stakeholders de uma empresa é um debate frequente e observado entre diversos autores que abordam a valoração de ativos com base na análise fundamentalista.

Copeland et al. (2000) argumenta que a decisão financeira deve ser tomada com o objetivo de maximização de valor para o acionista. Essa visão, que é predominante no mercado norte-americano, contrasta com a visão de outros mercados, como o europeu e o japonês, que, além do acionista, privilegia outros públicos como o colaborador e a sociedade na distribuição de valor. Desse modo, é possível concluir que a maximização de valor para o acionista não surge (e nem deve surgir) à custa de outros stakeholders.

Deve-se notar também a evolução de informações e ferramentas de análise das questões ASG. Desde a estruturação de benchmarks, como os índices de sustentabilidade, até a proposição de modelos de valoração de ativos que considerem os impactos dessas variáveis, são muitas as abordagens relativas ao investimento responsável. Essas abordagens e soluções são diversas e dependem especialmente da abordagem, perfil e modelo de atuação de cada gestor.

Identificação das questões ASG mais relevantes

As questões mais relevantes a serem analisadas pela ASG podem ser divididas em três grupos, de acordo com a sigla: ambientais (A), sociais (S) e de governança (G) corporativa.

No que se refere às questões relativas à qualidade de funcionamento do meio ambiente e ecossistemas, podemos destacar: a perda da biodiversidade, emissões de gases de efeito estufa, mudanças climáticas, energias renováveis, eficiência energética, escassez ou poluição da água/ar e outros recursos, mudanças no uso e qualidade do solo, acidificação dos oceanos e impactos nos ciclos de nitrogênio e fósforo.

Dentro do panorama social, englobam-se questões relativas a direitos, bem-estar e interesse de pessoas e comunidades, tais como direitos humanos, direitos trabalhistas na cadeia de valor, trabalho infantil, escravo ou degradante, questões relacionadas a saúde e segurança no trabalho, liberdade de associação e de expressão, gestão do capital humano e relações trabalhistas, diversidade e relacionamento com comunidades locais, atividades em regiões de conflito, saúde e acesso à medicina, HIV/AIDS, proteção aos direitos do consumidor e armas controversas.

Em relação à governança corporativa, destacam-se questões ligadas à governança das empresas investidas. No contexto de empresas listadas, incluem-se: a estrutura, tamanho, diversidade, competências e independência do Conselho de Administração, a remuneração de executivos, os direitos e interações dos acionistas, disclosure de informações ao mercado, ética nos negócios (suborno e corrupção), o controle interno e gestão de riscos, o relacionamento entre Conselho, executivos, acionistas e stakeholders, o posicionamento estratégico, abrangendo impactos das questões ASG e implementação de estratégias. No caso de empresas não listadas, as questões também incluem assuntos relativos à governança do fundo, como os poderes dos comitês, questões de valoração, estruturas de taxas etc.

A relação das questões ASG mais relevantes para a análise de investimentos varia segundo o setor de atuação, segmentação de clientes, região e, não menos importante, a priorização das questões dos próprios analistas e gestores. A cultura de investimentos, o apetite a risco e a natureza dos mandatos influenciam a importância dada a uma ou outra questão identificada e analisada nesse processo.

 

Análise dos impactos sobre os ativos

Uma vez identificadas questões que podem impactar o desempenho dos ativos a serem analisados, a análise visa à compreensão e mensuração do impacto que as questões ASG podem exercer sobre esses ativos. Analisar como cada empresa incorpora essas questões em suas estratégias e práticas de gestão, como se relaciona com seus principais stakeholders e como isso pode afetar, positiva ou negativamente, seu posicionamento estratégico e resultados financeiros, é o objetivo dessa etapa de integração.

Organismos multilaterais e agentes do universo corporativo estão se propondo a mensurar cada vez mais o potencial impacto positivo de melhores práticas ASG, trazendo evidências empíricas que corroboram suas hipóteses. Essa crescente produção de estudos acadêmicos e corporativos faz com que o setor financeiro passe a enxergar essas questões como um driver de geração ou destruição de valor das empresas. No mercado de crédito, investimentos e seguros, evoluem cada vez mais o debate das instituições e a participação dos reguladores no que tange à consideração de questões ASG no processo de tomada de decisão financeira. Estudos da Universidade de Hamburgo na Alemanha, com base em dois mil artigos científicos, apontam um impacto positivo de aproximadamente 48% (BUOSI, 2014).

 

Levantamento de Informações ASG

Considerando a identificação de drivers de geração ou destruição de valor pela empresa, é preciso que se aprofunde o entendimento sobre como cada companhia está gerindo riscos e oportunidades de negócio derivados das questões ASG. Para que sejam avaliadas as práticas das empresas, é essencial o levantamento de indicadores específicos para compreender e mensurar os impactos das questões ASG sobre a estratégia, as operações, os relacionamentos e resultados financeiros. Além disso, um dos principais desafios, segundo pesquisas e relatórios de investimentos responsáveis, é justamente o levantamento dessas informações, visto que não há um padrão regulatório para o reporte de informações ASG, o que dificulta a identificação e análise dessas informações por parte dos analistas de investimentos. Existe uma necessidade de aumentar a transparência e padronização do disclosure ASG.

 

Avaliação do impacto sobre as demonstrações financeiras

No caso do impacto da ASG sobre as demonstrações financeiras, destacam-se: crescimento dos lucros, eficiência operacional, ativos intangíveis e fluxos de caixa subjacentes. Os investidores que integram as questões ASG às provisões financeiras das empresas podem incluir seus impactos também sobre a geração de receita e os custos operacionais, por exemplo. Entender as questões ASG juntamente com as séries das demonstrações financeiras é fundamental para o entendimento e integração do tema à análise fundamentalista tradicional, pois é a partir daí que se perde o conceito de que questões socioambientais são relacionadas apenas à reputação e imagem da empresa para que elas de fato integrem e influenciem os modelos de negócio.

Alguns casos como as mudanças no ambiente regulatório e envolvimento em escândalos relativos aos temas ASG (como questões trabalhistas, desmatamento ilegal ou corrupção etc.) podem impactar a capacidade da empresa de colocar seus produtos e serviços no mercado, enquanto restrições à produção (como a dificuldade de acesso a recursos e à gestão de resíduos) podem afetar a receita no curto, médio e longo prazo.

É importante ter consciência de que o uso e a dependência de recursos naturais, capital humano e intelectual das empresas, em suas operações ou cadeia de suprimentos, pode trazer impactos significativos sobre a análise fundamentalista de ativos. Além disso, os custos relativos à saúde, segurança do trabalho, por exemplo, podem ter impacto positivo sobre a produtividade e a redução de passivos trabalhistas. Esses são alguns exemplos de como a ASG pode impactar positivamente ou negativamente as demonstrações financeiras de uma empresa.

 

Integração sobre os modelos de valoração e tomada de decisão de investimento

Com base nos impactos levantados nas etapas de identificação e análise, com a devida mensuração e realização de projeções sobre as principais variáveis das demonstrações financeiras, é possível realizar ajustes nos modelos de fluxo de caixa descontado que contemplem os riscos e oportunidades de negócio derivados das questões ASG. Os ajustes podem ser feitos nas próprias linhas do modelo, como uma revisão da receita, aumento ou redução de custos, premissas de crescimento etc. Podem também impactar premissas relativas ao custo de capital, prêmio de risco, ajuste da perpetuidade.

A valoração da certificação socioambiental e seus impactos sobre o valor de uma empresa de celulose pode considerar os seguintes impactos sobre as demonstrações financeiras:

  •  ↑ Custos operacionais: as despesas com a certificação, desde a adequação do processo produtivo ao gasto com auditorias e verificações, elevam o custo operacional da empresa;
  •  ↓ Custos operacionais: o fortalecimento da agricultura familiar e incentivo ao plantio em áreas próximas às florestas da companhia, práticas comuns em empresas que adotam essas certificações, têm o potencial de garantir o suprimento de matéria-prima e reduzir custos operacionais (por exemplo, transporte de madeira);
  •  ↑ Receita: produtos com selo são vendidos com um prêmio de preço e em mercados diferenciados quando comparados com pares sem a certificação;
  •  ↓ Provisões: a redução do risco de passivos pela adoção de melhores práticas socioambientais tem um potencial redutor sobre provisões para multas e processos dessa natureza.

Em síntese, considerando, por exemplo, uma empresa de papel e celulose e sua valoração da certificação socioambiental, bem como seus impactos sobre as demonstrações financeiras, é possível dizer que, quando ela opta pelo fortalecimento da agricultura familiar e incentivo ao plantio em áreas próximas às florestas da companhia, pode-se garantir que haja o suprimento de matéria-prima e que sejam reduzidos os custos operacionais. Já se fosse adotado um modelo baseado na certificação e selos da madeira, haveria um aumento dos custos operacionais, já que as despesas com a certificação, desde a adequação do processo produtivo ao gasto com auditorias e verificações possuem custo elevado. 

Outro impacto com potencial significativo sobre o modelo de Fluxo de Caixa Descontado (FCD) é o valor das empresas na perpetuidade. Uma das práticas aceitas no mercado é a projeção de crescimento estável após anos ou décadas de projeção do fluxo de caixa da empresa. Damodaran (2007) prioriza esse tema, afirmando que “a previsão de fluxos de caixa futuros é a chave para avaliar negócios”.

O ajuste sobre o custo de capital próprio também é utilizado por investidores, que sensibilizam o custo do capital próprio segundo a análise de desempenho das questões ASG. A fórmula do custo de capital próprio normalmente aplicada nos modelos de valoração de ativos é a seguinte:

 

Assim, é possível sensibilizar o prêmio de risco ao desempenho ASG dos ativos avaliados. Pela análise setorial, as empresas que apresentam maior exposição a riscos ASG podem ter um prêmio de risco mais elevado em relação a pares com melhores práticas e maior nível de disclosure das questões ASG, enquanto empresas com melhores práticas e adequada transparência de suas iniciativas e resultados poderão ter seu prêmio de risco reduzido.

Tipicamente, a integração de questões ASG à análise de investimentos de renda fixa visa a atender o objetivo de reduzir riscos, enquanto a de renda variável busca reduzir riscos e identificar oportunidades de investimentos.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014. Dispõe sobre as diretrizes que devem ser observadas no estabelecimento e na implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental […]. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2014/pdf/res_4327_v1_O.pdf>. Acesso em: 24 de nov. de 2021. 

BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum: Relatório Brundtland. Our Common Future: United Nations, 1987.

BUOSI, Maria Eugênia dos Santos. Estudo de Correlação e Causalidade entre o Desempenho Financeiro e da Eficiência no Combate às Emissões de Gases de Efeito Estufa das Empresas do Mercado de Capitais Brasileiro. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.

COPELAND, Tom; KOLLER, Tim; MURRIN, Jack. Avaliação de empresas: valuation. São Paulo: Makron Books, 3. ed., 2002.

DAMODARAN, Aswath. Avaliação de empresas. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.


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